Inquéritos e ações penais em andamento e maus antecedentes - 1
O Plenário iniciou julgamento de recurso extraordinário em que se discute a possibilidade de inquéritos e ações penais em andamento configurarem maus antecedentes, para efeito de fixação da pena-base. O Ministro Marco Aurélio (relator), acompanhado pelos Ministros Roberto Barroso, Teori Zavascki e Gilmar Mendes, desproveu o recurso. Explicou que a jurisprudência da Corte sobre o tema estaria em evolução, e a tendência atual seria no sentido de que a cláusula constitucional da não culpabilidade (CF, art. 5º, LVII) não poderia ser afastada. Apontou semelhante movimento por parte da doutrina, a concluir que, sob o império da nova ordem constitucional, somente poderiam ser valoradas como maus antecedentes as decisões condenatórias irrecorríveis. Assim, não poderiam ser considerados para esse fim quaisquer outras investigações ou processos criminais em andamento, mesmo em fase recursal. Salientou que esse ponto de vista estaria em consonância com a moderna jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos e do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem. Realçou, ainda, recomendação por parte do Comitê de Direitos Humanos das Nações Unidas, no sentido de que o Poder Público deveria abster-se de prejulgar o acusado. Colacionou, também, o Enunciado 444 da Súmula do STJ (“É vedada a utilização de inquéritos policiais e ações penais em curso para agravar a pena-base”). Observou que o lançamento, no mundo jurídico, de enfoque ainda não definitivo e, portanto, sujeito a condição resolutiva, potencializaria a atuação da polícia judiciária, bem como a precariedade de certos pronunciamentos judiciais. Asseverou que, uma vez admitido pelo sistema penal brasileiro o conhecimento do conteúdo da folha penal como fator a se ter em conta na fixação da pena, a presunção deveria militar em favor do acusado. Alertou que o arcabouço normativo não poderia ser interpretado a ponto de gerar perplexidade. Nesse sentido, elementos passíveis de perder a sustentação fática não poderiam ser sopesados como reveladores de antecedentes.
RE 591054/SC, rel. Min. Marco Aurélio, 5.5.2014. (RE-591054)
Inquéritos e ações penais em andamento e maus antecedentes - 2
O relator asseverou que os dados passíveis de valoração para aferir a culpabilidade deveriam derivar de envolvimentos judiciais que implicassem condenação definitiva, seja em relação a crimes, seja no tocante a contravenções. Assim, na eventualidade de existirem várias condenações acobertadas pela coisa julgada, remeter-se-ia aos antecedentes negativos e, em seguida, referir-se-ia à reincidência. Além disso, o transcurso do quinquênio previsto no art. 64, I, do CP não seria óbice ao acionamento do art. 59 do mesmo diploma. Por outro lado, ponderou que conflitaria com a ordem jurídica considerar, para a majoração da pena-base, processos que tivessem resultado na aceitação de proposta de transação penal (Lei 9.099/1995, art. 76, § 6º), na concessão de remissão em procedimento judicial para apuração de ato infracional previsto no ECA, com aplicação de medida de caráter reeducacional, na extinção da punibilidade, entre outros, excetuados os resultantes em indulto individual, coletivo ou comutação de pena. Reputou, por fim, que as condenações por fatos posteriores ao apurado, com trânsito em julgado, não seriam aptas a desabonar, na primeira fase da dosimetria, os antecedentes para efeito de exacerbação da pena-base. No ponto, sublinhou que a incidência penal só serviria para agravar a medida da pena quando ocorrida antes do cometimento do delito, independentemente de a decisão alusiva à prática haver sido dada como firme em momento prévio. Sintetizou que deveria ser considerado o quadro existente na data da prática delituosa. O Ministro Roberto Barroso afirmou que a jurisprudência dominante da Corte assentara entendimento de que a presunção de inocência somente se romperia a partir do trânsito em julgado de decisão condenatória. Assim, a falta dessa qualidade da condenação impediria que se levasse em conta, para fins de maus antecedentes, a existência de inquéritos ou de processos judiciais.
RE 591054/SC, rel. Min. Marco Aurélio, 5.5.2014. (RE-591054)
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Em divergência, os Ministros Ricardo Lewandowski, Rosa Weber, Luiz Fux e Cármen Lúcia deram provimento ao recurso. O Ministro Ricardo Lewandowski entendeu que o art. 59 do CP compreenderia diversos aspectos, os quais deveriam ser considerados pelo juiz na dosimetria da pena. Cumpriria, então, ao julgador fixar a reprimenda da maneira que fosse suficiente para a reprovação e a prevenção do crime. Registrou que os antecedentes aludidos no art. 59 do CP não se confundiriam com os passíveis de agravar a pena nos termos do art. 61, I, do mesmo diploma, o qual trataria de reincidência. Exemplificou que haveria acusados com extensa ficha criminal, relativa a passagens pela polícia e a ações penais em andamento, o que precisaria ser considerado pelo juiz, no âmbito de sua discricionariedade. Assim, o magistrado poderia, com fulcro no art. 59 do CP, ponderar esses maus antecedentes. Por fim, frisou que o recurso extraordinário com repercussão geral reconhecida diria respeito a teses, e não a casos concretos, razão pela qual superou a questão prejudicial de conhecimento relativa à prescrição, sem prejuízo de assentá-la, eventualmente. A Ministra Rosa Weber consignou que não haveria afronta ao princípio constitucional da presunção de inocência, uma vez que o juiz, com base nas particularidades da situação concreta, teria a prerrogativa de valorar negativamente, no estabelecimento da pena-base, a existência de diversas investigações e ações penais em desfavor do acusado. O Ministro Luiz Fux aduziu que a presunção de inocência não seria um princípio, mas uma regra passível de interpretação teleológica e sistemática. Assinalou que o antecedente seria tudo aquilo que antecedesse ao fato criminoso, ou seja, a vida “ante acta” do réu. Acresceu que o fato de se levar em consideração os maus antecedentes não significaria, de início, uma condenação. Reputou que, à luz do princípio da igualdade, não se poderia dar tratamento igual para quem nunca tivesse praticado crime e para quem tivesse processos e inquéritos pendentes. Afirmou, ainda, que o Estado teria um direito fundamental que se sobreporia ao do indivíduo, de impor a ordem penal. Por fim, o Plenário deliberou suspender o julgamento.
RE 591054/SC, rel. Min. Marco Aurélio, 5.5.2014. (RE-591054)
Decisão publicada no Informativo 749 do STF - 2014
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